sábado, junho 16, 2007

O Fado da Maianga

Aqui finalmente percebo o sentido de cada palavra de Manoel de Barros no seu Compendio para uso dos pássaros: “dali se escutavam os ventos com a boca como um dia ser árvore”. Daqui finalmente aprecio o tempero da escrita de Ernesto Lara Filho nas suas Crónicas e reportagens: “Há feijoadas que são poemas. Há poemas que são feijoadas. Feijão não liga com entrevista. Feijoada é notícia. Futebol é outro assunto. Boa tarde.”
Percorro as ruas de Luanda como se fosse a primeira vez. E volto a ser menino. Rever o mundo com olhos de criança tem a vantagem de pensarmos que o céu existe mesmo. Que é quase sempre azul. E que se fazendo de outra cor qualquer, o mal não é da vista mas do tempo. As pessoas não são formigas mas borboletas multicoloridas. As chuvas não são borrascas mas bênçãos divinas. As noites não são o fim mas o princípio, porque amanhã é domingo. Revisitar a gente, como gente crescida, tem a vantagem de pensarmos que só os outros envelheceram. Enrugou-se-lhes a cara e a pele das mãos de dedos cada vez mais finos. Os cabelos brancos e raros. A menina dos olhos escondida por detrás de sobrancelhas enormes que pendem como chorões. O andar devagar quando devagar ainda dá para andar. Até chegar aqui, pensava eu que a ter de morrer, antes morrer de nostalgia do que atropelado por um machimbombo no Largo da Maianga. Depois de sair daí, digo eu que a ter de viver, antes viver da liberdade uma nesga do que sepultado para sempre no fado desta betesga.