Quase todos os anos, por esta altura, alguém me pede para escrever sobre 1969, 1979 ou 1980. Quando não me pedem para escrever sobre o momento presente. Vou dizendo que sim – nunca mais aprendo, por mais que tente, a dizer não! – até que deixam de insistir, julgando-me um bicho-preguiça ou coisa bastante pior.
Tão simpática profusão de solicitações, eu sei, deve-se ao extraordinário facto de eu, por mero acaso, ter sido Presidente da Associação Académica em 1979 e Presidente da Comissão Central da Queima das Fitas em 1980. Os tais anos quentes em que se prepararam e retomaram as tradições académicas em Coimbra, após mais de uma década de interregno.
Daí pensarem que eu tenho alguma legitimidade para falar do luto académico iniciado em 1969. Puro engano. Por essa altura ainda eu usava uns calções por cima do joelho, da Académica só sabia pelos relatos de futebol onde jogava o meu irmão-ídolo, de então e de sempre, e preferia as brincadeiras inocentes da escola às coisas sérias do mundo. E sobretudo nunca me tinha apercebido do que era o luto. Nem do Académico nem do luto na vida.
Ao longo destes últimos trinta anos, mas a espaços, vou escrevendo, contudo, acerca da minha experiência associativa dos finais da década de setenta do século passado. Faço-o com gosto, mas confesso que cada vez mais o faço sentindo que me repito. Com o esforço de quem sente que mastiga palavras que nada nem ninguém ouve nem quer ouvir.
Ao longo destes últimos trinta anos, mas a espaços, vou escrevendo, contudo, acerca da minha experiência associativa dos finais da década de setenta do século passado. Faço-o com gosto, mas confesso que cada vez mais o faço sentindo que me repito. Com o esforço de quem sente que mastiga palavras que nada nem ninguém ouve nem quer ouvir.
Cansados do passado e tristes com o presente. só estamos verdadeiramente disponíveis para mensageiros que nos tragam boas-novas de um futuro luminoso e promissor. Mas hoje e aqui faço-o com sentido do dever e profunda tristeza. Em meu nome, em nome de outros e apelando à indestrutível memória dos que deram os melhores anos da sua juventude por uma causa sem nada pedir em troca.
Há poucos dias morreu o José Rodrigues Lopes. Foi Vereador em 1990, e Presidente da Câmara Municipal de Miranda do Corvo entre 1990/1993, tendo sido também deputado municipal no início da década de 80.
Há poucos dias morreu o José Rodrigues Lopes. Foi Vereador em 1990, e Presidente da Câmara Municipal de Miranda do Corvo entre 1990/1993, tendo sido também deputado municipal no início da década de 80.
Foi jurista, autarca, vice-presidente do Centro de Estudos e Formação Autárquica e coordenador de vários projectos de cooperação jurídica com os PALOP e com outros países de África. Mas o que me interessa sublinhar é que o Zé Lopes foi meu companheiro na Direcção da Associação Académica de Coimbra, nas lutas académicas de 79/80 e meu amigo.
Se o pudesse definir numa palavra seria: coragem. Coragem, enquanto, filho de gente humilde, subia a vida a pulso; coragem para trabalhar e dedicar-se a causas enquanto estudava; coragem na defesa das suas ideias e coragem quando enfrentava adversários. Sou testemunha, nestes casos, até da sua coragem física.
O Zé Lopes foi meu dedicado companheiro e foi, sempre, meu amigo. Amigo de indestrutível amizade, daquelas de nunca quebrar nem torcer, laços esses que havíamos construído hora a hora em anos que caminhámos lado a lado sem pensar jamais em desistir dos nossos ideais. Porque nesses casos é que desistir é morrer.
No último sábado, em Vila Nova (Miranda do Corvo), a sua urna estava coberta pela bandeira da AAC. Merecidamente! Nessa freguesia perdida na serra, longe da Praça da Republica e da Rua Padre António Viera, enquanto me despedia do Zé Lopes, lembrava-me de outros amigos dessa inesquecível geração, como o Joaquim Pelotte, o Nuno Barbosa Ribeiro e o António Nogueira.
Confirmam-se assim todos os rumores que amigos da onça que desprezo e inimigos de estimação que cultivo não deixam de fazer constar. São verdadeiras as notícias sobre a minha morte. Mas tão-só porque, quando me morre um amigo como o Zé, o Quim, o Nuno ou o Tó, morre-se-me uma parte inesquecível para mim.
Confirmam-se assim todos os rumores que amigos da onça que desprezo e inimigos de estimação que cultivo não deixam de fazer constar. São verdadeiras as notícias sobre a minha morte. Mas tão-só porque, quando me morre um amigo como o Zé, o Quim, o Nuno ou o Tó, morre-se-me uma parte inesquecível para mim.