segunda-feira, janeiro 12, 2009

Livro das Crónicas de África




Depois de horas de cavalgada e algumas paragens para dar descanso ao lombo, vislumbro a Manga das Areias, nome porque era conhecida a grande enseada, descoberta por Diogo Cão na sua terceira viagem em 1485.
A Baía dos Tigres já não é uma restinga, mas uma ilha. No dia 14 de Março de 1962, pouco depois de ter sido construído o sistema de captação de águas na Foz do Cunene, o mar vingou-se com forte calema. Atirada de SW, bateu furiosamente a parte de fora do saco da restinga, com ondas de mais de dez metros de altura. Cortou a língua de areia que unia o continente à Baía dos Tigres e rompeu as condutas. Isolou ainda mais os sofridos pescadores que lá viviam e pendurou-lhe mais uma cruz nas costas. Foi um espectáculo enorme, segundo contam. E a que a população diminuta assistiu impotente e temerosa, sempre à espera de que a própria ilha fosse tragada pelo Atlântico. A verdade histórica é que tudo leva a crer que este fenómeno seja periódico. No Mapa Mundi de 1623 de António Sanches é assinalada uma restinga. Na Carta Geográfica da Costa Ocidental desenhada em 1790 por Pinheiro Furtado é uma ilha. Pedro Alexandrino visita-a em 1839 a bordo da corveta Izabel Maria e vê uma restinga. Mas em 1846, nos seus Ensaios Estatísticos, Lopes de Lima já fala outra vez em ilha. Em 1861, os primeiros pescadores Algarvios que aqui chegam encontram uma restinga fechada. A verdade é que desde 1962 até hoje é uma ilha.
Resta-me a esperança de um dia puder rever a Baía dos Tigres. Lembro-me que as edificações assentam em pilares que deixam espaço suficiente para que as ventanias de areias possam prosseguir caminho. O posto sanitário, a escola, a estação radio-telégrafo-postal, a delegação marítima e a igreja de São Martinho, alinham-se de um lado e do outro da única rua cimentada e que serve também de pista de aviação. Nos primeiros tempos o abastecimento de água provinha de cacimbas de água salobra na margem continental da baía. Na praia do lado da baía está o depósito de água que era reabastecido pelo Save ou pelo 28 de Maio, a partir do Curoca ou de Moçâmedes. Água fervida e filtrada em sangas. Os cães Baía dos Tigres eram célebres. Comiam e bebiam o impossível. Nadavam e pescavam de cerco e em matilha, empurrando o peixe para terra. Tinham membranas interdigitais. E bebiam água, passando de manhã cedo a língua suavemente por sobre a água salgada, retirando assim a fina camada de água doce que o cacimbo deixava. Instinto de sobrevivência a quanto obrigas…
Acampamos e dormimos aqui. Para amanhã retomar viagem. Vamos acender a fogueira de lenha de mutiate que algum viajante deixou. Ligar as gambiarras à bateria do jipe. E comer os carapaus de escabeche que nos prepararam e que sabe a manjar dos Deuses a quem anda no deserto.
A noite felizmente está calma. Os Tigres estão a dormir sossegados. Hoje as dunas decidiram dar-nos tréguas. E eu agradeço.