quarta-feira, janeiro 07, 2009

Livro das Crónicas de África



Hoje vou a Porto Alexandre. Por aquela estrada que é uma recta só, com uma curva no meio, porém suave. E que é costume ser engolida pelas areias e asfaltada de miragens. Saio daqui bem amanhece, depois de um café bom de cafeteira. Sem borra. E vou andando até à Subida Grande. Devagar que nestas terras a pressa não tem pressa. Saio cinquenta metros da estrada, virando à esquerda, para pisar mais uma vez o tapete de ágatas de todas as cores. Retomo a estrada. Passo pela casa que já teve portas, janelas, tecto, paredes pintadas e até cantoneiro mesmo ele próprio.
Chego ao Buraco. Estamos a meio caminho dos noventa e três quilómetros que unem Moçâmedes a Porto Alexandre. Os mais velhos, no século antepassado, demoravam tanto tempo na viagem que paravam aqui para almoçar. Merendavam debaixo duma espinheira que ainda cá está de pé e a que ironicamente chamaram de Hotel do Buraco. Algumas vezes pernoitavam ou resguardavam-se, pois o vento era tanto que a estrada, ainda não asfaltada, simplesmente levava sumiço. Trilhavam nova porque a caminhar se faz o caminho.
Paro na direcção do Cabo Negro e vou até junto do mar revisitar o Padrão que Diogo Cão aqui deixou. Continua caído e abandonado. Ai Portugal, Portugal! Regressado à estrada vejo a placa branca, escrita a negro. Estrada nº 11. Moçâmedes 73 Km. É difícil de ler porque mais parece um passevite. Não houve ninguém que tivesse arma e que por aqui passasse que não lhe mandasse uma fogachada. Não eram garantidamente caçadores. Esses não desperdiçam cartuchos em caça que não deve ser caçada, quanto mais…
Começa a fazer calor. A estrada é um sem fim de miragens. Ao olhar para Moçâmedes vejo os postes telefónicos todos alinhados, como se fossem soldados em sentido numa parada, no deserto, com a areia a subir-lhes pelas botas. Os cabos é que voaram ou estão caídos ao longo da formatura. Sigo viagem e passo pelo Curoca com os seus arimbos. Estão duas lavadeiras a bater roupa com sabão macaco azul, junto à ponte. E chego ao Pinda que já foi pescaria do Albino da Cunha. Parece-me meio abandonado. As palmeiras teimam em não morrer. Foi daqui que se iniciou a expedição de Angola à contra-costa de Capelo e Ivens. Ataco a subida para finalmente chegar à última cidade do deserto do Namibe. Depois e só lá longe a Baía dos Tigres. E, como é costume, o deserto invadiu completamente o asfalto. Há garruaço. Agora a estrada é toda areia com algumas poças de negro.E vejo Porto Alexandre. O cemitério branco como a cal povoado de cruzes, os depósitos de água preciosa, a central eléctrica, as barreiras de caçoarinas que fazem um semi-círculo. E no seu interior até ao mar o casario rasteiro. Passeio o olhar pela praia. Vejo ao longe a língua de areia onde o Figueiras apanhava as amêijoas. Dou uma passagem pelas pescarias que continuam a escalar peixe em força. As traineiras ainda têm nomes Olhanenses ou de mulheres e de Santas. Um oceano de tarimbas de peixe seco. E passo pelo cinema, o campo do Independente e um ou outro café sempre com um homem encostado à porta, com o olhar perdido no anteontem. E a estátua ao pescador. Como eu admiro e respeito estes Homens do mar. Ainda mais aqui no cu de Judas com milhões de moscas. E muitos putos que vêm da escola e que parecem felizes.
E perguntei pelo Daniel Sangojo, um bailundo contratado, criado e depois amigo do menino Carlos Jorge.Prometeram-me dar notícias. E eu acredito.