
E não é que eu acho que sim! Um cego não existe senão no olhar dos outros. E toda a gente se pode fazer de cega, mas mais dificilmente os próprios cegos. Os óculos são simbólicos e são uma ousadia. Podem não servir para ver as horas, mas podem ser um farol que espanta fantasmas. Ajudam a explicar que a cor do caju só pode dar naquele cheiro, porque quem tem óculos é que sabe de ciência certa. São um preciso desatacador de nós górdios da alma que chora debruçada nos olhos. Dão sentido e forte luz a mais um dia de vida e às chamas da fogueira que crescem consumindo-se todas as noites. Talvez ajudem a reencontrar lugares perdidos ou a reabrir baús esquecidos na memória. Um cego de óculos com lentes claras e graduadas não é ridículo. Ridículos são os que não acreditam no triunfo da magia de quem devia transportar alguns paus de feitiço nos seus bolsos ocupados de nada. Como aquele feiticeiro branco que me julguei ser. Que escusava confundir a sabedoria do velho homem com a costumeira litania urbana ou a mais bela claridade com a metáfora da luz ao fundo do túnel. Ridículo. Tão ridículo quanto pensar que ainda estamos a tempo de lavrar o chão da história que abandonámos em África.