sexta-feira, abril 13, 2007

Livro das Crónicas da Guiné

Land Rover tem hoje para mim um sentido novo. Muito diferente do jeep aventura dos sonhos atascados em dunas da minha juventude. Desassossega-me a memória, traz-me as cores do mar enceularado (escrito mesmo assim), o cheiro a terra, a mangas e a pitangas maduras. Lembra-me a primeira bicicleta, mas fez-se trem que me toca e provoca os sentidos. Nas estradas que se parecem mais com campos de batalha, não me soa estranha a canção, que a rádio passa aos soluços, de Kate Bush, "Kashka from Bagdad": a lua não brilha o bastante para os olhos cegos pela paixão…
Se há quem diga que o último refúgio contra os telemóveis é a cabine telefónica, eu vos garanto que a ultima trincheira contra a indiferença é, no mínimo, um sorriso beijado nos olhos de uma criança nestas Terras do Fim do Mundo. E não falo de risos hipócritas, insensíveis, egoístas, tocados de fingida humanidade e a que se poderiam colar aos lábios uma legenda quase pornográfica.
A minha infância também correu aos ombros de África. Tenho dentro de mim a sua geografia íntima, mas num mapa que se tornou obsoleto, assim como a ideia originária que eu guardava do mais velho Land Rover de que me lembro.
Por aqui, onde nasci e porventura morrerei, sinto-me definitivamente condenado à liberdade.